Soneto
Pergunto aqui se sou louca
Quem quer saberá dizer
Pergunto mais, se sou sã
E ainda mais, se sou eu
Que uso o viés pra amar
E finjo fingir que finjo
Adorar o fingimento
Fingindo que sou fingida
Pergunto aqui meus senhores
quem é a loura donzela
que se chama Ana Cristina
E que se diz ser alguém
É um fenômeno mor
Ou é um lapso sutil?
— Ana Cristina Cesar, em “A teus pés”. São Paulo: Brasiliense, 1982.
A poesia – do grego poíesis – foi definida como um impulso para Aristóteles, uma força para Schiller e uma linguagem para Suassuna. Sua construção já foi feita no papiro, na caneta e no computador. Como uma entidade misteriosa, moradora integral do subconsciente do poeta, ela atravessa gerações em sua multiplicidade de formas, passeando entre a elite e a plebe, entre o idealizado e a realidade, entre o dito como certo e o dito como errado.
Talvez porque, dentre todas as suas ambiguidades, certezas e definições, a poesia nada mais seja do que humana.
O primeiro movimento que relatou a poesia explicitamente foi o Trovadorismo, iniciado lá no século XI, na Idade Média. Quem diria que o ser-humano acharia em meio a todo trabalho feudal um tempinho para ser poético?
Das cantigas de amigo, de amor e de escárnio e maldizer; o poeta começou a dar nome para o que fazia, desde o bonito até o feio. Mesmo que seus nomes sejam meramente ilustrativos. Amizade e amor não mantiveram seus significados ao longo dos séculos. Escárnio e maldizer, por outro lado, mantiveram sua essência.
A métrica e a lírica atravessaram o trovadorismo e percorreram durante muitos anos por muitas escolas literárias. O Parnasianismo recebeu muito bem as ideias de uma métrica muito bem planejada, mesmo que rejeitando todo o sentimento exposto em outras escolas.
Extremamente racionais e apegados à estética, os parnasianistas eram como os primos ricos pomposos que causam inseguranças nos primos menos perfeccionistas.
Já os primos que vieram ao mundo para quebrar estigmas e viverem da arte, claramente, são os modernistas. O modernismo veio como um prelúdio do que viria a ser a quebra de padrões, preparando o terreno ao criar novas maneiras de se expressar de forma artística, buscando na subjetividade o verdadeiro sentido.
O Clube dos Cinco da literatura brasileira – Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti – idealizou a Semana da Arte Moderna, e nela questionaram sobre o ser brasileiro em variadas formas de arte, inclusive na poesia.
A poesia como resistência não ganhou espaço, mas ela o adquiriu mesmo assim. Nada recebido de mão beijada, tudo, muito provavelmente, pego à força. A arte e a poesia, em específico, tornou-se “o espaço de expressão e sublimação daquilo que a sociedade burguesa considera ilegal” (Pimenta, 1984).
O que de forma nenhuma impediu que a burguesia se apropriasse, novamente, e a transformasse em mercadoria.
“... uma coisa é certa: a liberdade da obra de arte literária implica, em certo grau, a sua inaceitabilidade da parte do poder estabelecido, ou da parte do público, ou, frequentemente ainda, da parte de ambos” (Pimenta, 1976)
Então, como feito anteriormente em outras escolas, o poeta juntou seu sangue e lágrimas, criando arte novamente. Mesmo que em meio ao contexto urbano, entre racismo, machismo, LGBTfobia e xenofobia, o poeta se achou em meio a bagunça.
A liberdade poética se acentuou na poesia Marginal, na geração do mimeógrafo, onde, num caráter subversivo, se criou uma identidade que abraça a diversidade e a criatividade do poeta. Nos anos 70, as editoras faziam forte pressão à comunidade artística, ditando as regras e padrões da escrita da época.
No entanto, os poetas marginais romperam com o que era imposto ao publicar seus textos de maneira independente, utilizando mimeógrafos para realizar as cópias de seus materiais, o que levou à denominação de “geração mimeógrafo”.
Hoje, marginal e marginalizada, a poesia nasce em diversos lugares, de diversas formas. Na batalha de slam, no caderninho surrado de uma aluna da sétima série, no sorriso que a mãe dá para seu filho que soltou suas primeiras palavras, no reconhecer em cada olhar uma história inexplorada.
A poesia é resistência, mas também é descanso. A poesia é o suspiro trêmulo que o poeta dá em meio ao caos que é a vida.
Luisa Corloud
Ana Carolina Sant’Anna
Referências Bibliográficas
AJZENBERG, Elza. A Semana de Arte Moderna de 1922. Revista de Cultura e Extensão USP: 25–29, 2012.
BANDEIRA, Manuel. De Poetas e de Poesia. Rio de Janeiro: MEC, 1954.
COUTINHO, Afrânio dos Santos. Notas de teoria literária. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
LUNA, Fernanda. Escolas Literárias. 26 jul. 2019. Disponível em: https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/lingua-portuguesa/escolas-literarias. Acesso em: 14 set. 2024.
MARTELO, Rosa Maria. Devagar, a poesia. Documenta, 2022.
SOUZA, Warley. Poesia Marginal. 23 abr. 2024. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/amp/literatura/poesia-marginal.htm. Acesso em: 14 set. 2024.
Texto lindo e inspirador